A bem da noção
Thursday, September 04, 2003
A passo de caranguejo
Portugal é um país preguiçoso. Como é preciso algum esforço para enunciar soluções, todos parecem passar por cima dos problemas, contorná-los ou, no que é uma saída prática e pouco custosa, converter os problemas nas próprias soluções. Opaco? Passo a explicar. Há três, quatro anos, a Associação Cultural e Desportiva de Vilar inaugurou, sem circunstância mas com evidente e justificada vaidade, o seu Parque de Jogos.
Justificada vaidade porque com uma tal infra-estrutura a referida associação mostrou ter punho e pontaria para abalroar dois coelhos com uma só pedrada: projectado para um baldio comunitário, o Parque de Jogos não só veio permitir o enriquecimento da região com um espaço lúdico de rara centralidade, como também tornou possível por cobro – e neste aspecto assenta o fundamental da questão – ao velho hábito de despejar no baldio tudo e mais alguma coisa, desde carcaças de automóveis, a entranhas e miudezas de animais.
Três anos volvidos, num retrocesso que faz lembrar os passos indecisos do caranguejo, o lixo voltou com um ritmo próprio e sem grande indignação, a manchar uma paisagem e um projecto que até prometiam ser exemplares.
Infelizmente, em Portugal, os hábitos nunca se enterram: à falta de soluções – o sistema viável de recolha de lixo que a Câmara Municipal de Vale de Cambra tarda a instalar em certas zonas do concelho – os hábitos e os costumes ressuscitam como mortos vivos. Não há caixotes do lixo? Inventa-se uma lixeira!
Ao que parece, nunca poderemos viver descansados.
Portugal é um país preguiçoso. Como é preciso algum esforço para enunciar soluções, todos parecem passar por cima dos problemas, contorná-los ou, no que é uma saída prática e pouco custosa, converter os problemas nas próprias soluções. Opaco? Passo a explicar. Há três, quatro anos, a Associação Cultural e Desportiva de Vilar inaugurou, sem circunstância mas com evidente e justificada vaidade, o seu Parque de Jogos.
Justificada vaidade porque com uma tal infra-estrutura a referida associação mostrou ter punho e pontaria para abalroar dois coelhos com uma só pedrada: projectado para um baldio comunitário, o Parque de Jogos não só veio permitir o enriquecimento da região com um espaço lúdico de rara centralidade, como também tornou possível por cobro – e neste aspecto assenta o fundamental da questão – ao velho hábito de despejar no baldio tudo e mais alguma coisa, desde carcaças de automóveis, a entranhas e miudezas de animais.
Três anos volvidos, num retrocesso que faz lembrar os passos indecisos do caranguejo, o lixo voltou com um ritmo próprio e sem grande indignação, a manchar uma paisagem e um projecto que até prometiam ser exemplares.
Infelizmente, em Portugal, os hábitos nunca se enterram: à falta de soluções – o sistema viável de recolha de lixo que a Câmara Municipal de Vale de Cambra tarda a instalar em certas zonas do concelho – os hábitos e os costumes ressuscitam como mortos vivos. Não há caixotes do lixo? Inventa-se uma lixeira!
Ao que parece, nunca poderemos viver descansados.
Wednesday, September 03, 2003
Uma boa notícia para a Natureza
Muito poucos a viram, menos são os que a conhecem. A "engenheira" - formalidade pela qual é invocada a responsável pela Direcção Geral das Florestas na área do maciço da Freita - é quase um mito. Caçadores, agricultores e criadores de gado falam dela como quem fala de um deus poderoso e omnipotente, com temor e reverência. Para o bem ou para o mal, a dita senhora é tida por todos eles como responsável pela reabilitação da fauna da região: diz-se dela que mandou libertar na Freita e arredores, águias, coelhos, esquilos, víboras e até lobos.
E a verdade é que a floresta anda mesmo mais animada: os coelhos reaparecem por entre as fragas, no céu os peneireiros voltaram a ser rei e até as ginetas regressaram em força e ousadia às estradas, esguias e orgulhosas. Num ano em que o Verão se revelou trágico e mortal, com uma densa mancha do país reduzida a cinzas, o recuperar de certas espécies só pode ser uma boa notícia para a floresta portuguesa.
Muito poucos a viram, menos são os que a conhecem. A "engenheira" - formalidade pela qual é invocada a responsável pela Direcção Geral das Florestas na área do maciço da Freita - é quase um mito. Caçadores, agricultores e criadores de gado falam dela como quem fala de um deus poderoso e omnipotente, com temor e reverência. Para o bem ou para o mal, a dita senhora é tida por todos eles como responsável pela reabilitação da fauna da região: diz-se dela que mandou libertar na Freita e arredores, águias, coelhos, esquilos, víboras e até lobos.
E a verdade é que a floresta anda mesmo mais animada: os coelhos reaparecem por entre as fragas, no céu os peneireiros voltaram a ser rei e até as ginetas regressaram em força e ousadia às estradas, esguias e orgulhosas. Num ano em que o Verão se revelou trágico e mortal, com uma densa mancha do país reduzida a cinzas, o recuperar de certas espécies só pode ser uma boa notícia para a floresta portuguesa.
O sorriso aos pés da Freita...
Lançar os olhos à terra, desde o alto de São Pedro-o-Velho – a cumeeira que coroa com alguma magnificência a Serra da Freita – é almejar, num mesmo tempo e num mesmo espaço, o céu e o Inferno.
A amplitude da paisagem que se consegue abarcar é de uma beleza rara e soberana: em dias amenos a vista prolonga-se muito para além do perfil caótico das cidades e do resplandecer de prata das águas da Ria de Aveiro e morre onde morre o horizonte.
Mesmo em dias mais ásperos e menos puros, em que o espectáculo se transforma de calma em crispação, não deixa de ser magnânime a visão que o ponto mais alto da Freita oferece: as nuvens em promontório atracando no topo das elevações vizinhas, as aldeias minúsculas espraiadas nas vertentes das serranias, como se saídas de um relato queiroziano, trazem gaúdio aos sentidos e conforto ao espírito de quem, num acto de coragem, sobe ao topo da montanha.
Se a vista para além da linha de luz onde o olhar desencarreira torna justificada uma visita, a Freita, em si mesma, desmerece-a. Apesar do esforço enviesado pela Câmara Municipal de Arouca no sentido de tornar viável a Freita como um destino de férias capaz de garantir apelabilidade e qualidade a quem a visita, a Serra assemelha-se – sobretudo no pico do período estival – a uma lixeira tonitruante: por todo o lado há um plástico ou um papel esquecido, por todo o lado sinais incuráveis do mau hábito e do mau gosto português. Ou são as tendas montadas no próprio leito do rio ou os esgotos que correm directamente para um Caima acabado de nascer ou as fogueiras feitas em pleno recinto florestal...
Em muito, o que poderia ser até um espaço agradável (motivos para tal não faltam, desde a "Frecha da Mizarela", até à Portela da Anta, passando pela própria magnitude do horizonte que o olhar tende a condensar) é, na prática, um cemitério de prazeres. A irresponsabilidade e a incúria de quem visita e a falta de rigidez na imposição de hábitos de uso e de preservação por parte de quem ordena e planifica, rouba à serra a serenidade que o horizonte esconde. É outro e diferente, o sorriso aos pés da Freita...
Lançar os olhos à terra, desde o alto de São Pedro-o-Velho – a cumeeira que coroa com alguma magnificência a Serra da Freita – é almejar, num mesmo tempo e num mesmo espaço, o céu e o Inferno.
A amplitude da paisagem que se consegue abarcar é de uma beleza rara e soberana: em dias amenos a vista prolonga-se muito para além do perfil caótico das cidades e do resplandecer de prata das águas da Ria de Aveiro e morre onde morre o horizonte.
Mesmo em dias mais ásperos e menos puros, em que o espectáculo se transforma de calma em crispação, não deixa de ser magnânime a visão que o ponto mais alto da Freita oferece: as nuvens em promontório atracando no topo das elevações vizinhas, as aldeias minúsculas espraiadas nas vertentes das serranias, como se saídas de um relato queiroziano, trazem gaúdio aos sentidos e conforto ao espírito de quem, num acto de coragem, sobe ao topo da montanha.
Se a vista para além da linha de luz onde o olhar desencarreira torna justificada uma visita, a Freita, em si mesma, desmerece-a. Apesar do esforço enviesado pela Câmara Municipal de Arouca no sentido de tornar viável a Freita como um destino de férias capaz de garantir apelabilidade e qualidade a quem a visita, a Serra assemelha-se – sobretudo no pico do período estival – a uma lixeira tonitruante: por todo o lado há um plástico ou um papel esquecido, por todo o lado sinais incuráveis do mau hábito e do mau gosto português. Ou são as tendas montadas no próprio leito do rio ou os esgotos que correm directamente para um Caima acabado de nascer ou as fogueiras feitas em pleno recinto florestal...
Em muito, o que poderia ser até um espaço agradável (motivos para tal não faltam, desde a "Frecha da Mizarela", até à Portela da Anta, passando pela própria magnitude do horizonte que o olhar tende a condensar) é, na prática, um cemitério de prazeres. A irresponsabilidade e a incúria de quem visita e a falta de rigidez na imposição de hábitos de uso e de preservação por parte de quem ordena e planifica, rouba à serra a serenidade que o horizonte esconde. É outro e diferente, o sorriso aos pés da Freita...
Blag-de-Cambra - Livro de Bordo
O presente espaço, que se conforma a partir do princípio democrático da liberdade de expressão, pelo direito ao pensamento, à crítica e ao livre arbítrio, não pretende para si o estatuto de mensageiro e muito menos reclama como seu o papel de defensor de causas ou de princípios ideológicos que escapem a princípios éticos evidentes ou a formulações em que o bom senso se mostre secundarizado por ambições obscuras ou alheias.
Independente e sóbrio face a interesses políticos e económicos, "Blag-de-Cambra" não é, nem pretende como seu o protagonismo dos jornais: é um espaço de autor - subjectivado como tal face a uma experiência de vida concreta - que se pretende crítico e analítico da realidade tal qual esta evolui e se prescreve na região de Vale de Cambra. Afastando de si o rigor e a objectividade próprios à fenomenologia jornalística, "Blag-de-Cambra" é, poder-se-á dizer um conciso caderno de recados que não inviabiliza, se tal se justificar, uma acção concreta que permita a divulgação de eventos e de factos se se considerar uma tal divulgação ética e pertinente.
"Livro de vistas" sobre a realidade do concelho e das zonas límitrofes, "Blag-de-Cambra" reclama para si um papel interventor em domínios tidos como menores por quem chama para si a tutela das responsabilidades. Domínios como sejam o ambiente, a cultura ou a preservação das raízes e dos hábitos ancestrais merecerão por parte deste espaço uma atenção especial, sendo que o único limite para a densidade ou a insistência com que se lida e abrange um dado facto considerado pertinente resulta única e exclusivamente da própria consciência de quem por este espaço é responsável.
O presente espaço, que se conforma a partir do princípio democrático da liberdade de expressão, pelo direito ao pensamento, à crítica e ao livre arbítrio, não pretende para si o estatuto de mensageiro e muito menos reclama como seu o papel de defensor de causas ou de princípios ideológicos que escapem a princípios éticos evidentes ou a formulações em que o bom senso se mostre secundarizado por ambições obscuras ou alheias.
Independente e sóbrio face a interesses políticos e económicos, "Blag-de-Cambra" não é, nem pretende como seu o protagonismo dos jornais: é um espaço de autor - subjectivado como tal face a uma experiência de vida concreta - que se pretende crítico e analítico da realidade tal qual esta evolui e se prescreve na região de Vale de Cambra. Afastando de si o rigor e a objectividade próprios à fenomenologia jornalística, "Blag-de-Cambra" é, poder-se-á dizer um conciso caderno de recados que não inviabiliza, se tal se justificar, uma acção concreta que permita a divulgação de eventos e de factos se se considerar uma tal divulgação ética e pertinente.
"Livro de vistas" sobre a realidade do concelho e das zonas límitrofes, "Blag-de-Cambra" reclama para si um papel interventor em domínios tidos como menores por quem chama para si a tutela das responsabilidades. Domínios como sejam o ambiente, a cultura ou a preservação das raízes e dos hábitos ancestrais merecerão por parte deste espaço uma atenção especial, sendo que o único limite para a densidade ou a insistência com que se lida e abrange um dado facto considerado pertinente resulta única e exclusivamente da própria consciência de quem por este espaço é responsável.